
Quando o "sentido de si" é afetado pelo trauma...
Por Isabel Eusébio
Uma das contribuições mais relevantes da investigação em neurociências é a descoberta do impacto do trauma psicológico no desenvolvimento do cérebro humano. Especialistas em medicina comportamental*, têm verificado que o trauma pode afetar as várias redes neurológicas do cérebro, desde as redes auto-reflexivas, até ás redes executivas, envolvidas no raciocínio e planeamento.
Quando o trauma ocorre nos primeiros anos de vida, emoções excessivas geradas pelas redes auto reflexivas, como o medo (prepara a fuga) ou a raiva (prepara a luta) tornam-se inúteis ou até prejudiciais à criança indefesa, pelo que as conexões entre estas redes, ainda imaturas, são danificadas e interrompidas no seu desenvolvimento, com efeitos relevantes no modo como as pessoas se percebem.
Com a interrupção destas redes cerebrais, o sujeito pode vir a perder a capacidade de se conectar com a sua vida emocional interna, reduzindo a consciência do próprio corpo, o acesso às suas memórias de vida e a capacidade de olhar o futuro e perceber o que é mais relevante para si. Estes efeitos criam ainda mais dificuldades de desenvolvimento a quem já sofreu com o trauma na infância.
Ter um sentido de si enraizado no presente, depende da capacidade da pessoa se ver no contexto do passado e se orientar para o futuro, pelo que nas situações de trauma crónico da infância, a capacidade do sujeito para construir um Sense of self favorável, pode ficar bastante comprometida.
Como a Neurociência o ajuda a transformar as suas emoções em Psicoterapia?
Nos dias de hoje, os técnicos de
saúde mental e em especial os psicoterapeutas, são guiados na sua prática, pelo
conhecimento adquirido através das investigações em neurociências, em psicologia clínica e da saúde e noutras áreas relacionadas.
Entre as causas que motivam mais as pessoas a procurar ajuda em Psicoterapia, identificam-se experiências de sofrimento ligadas a crenças, pensamentos, emoções e sentimentos, como a vergonha, a autocrítica severa, o pânico, a raiva e a impulsividade ou noutro sentido, a imobilização, bloqueio ou dissociação.
Estas reações extremas - mais
relevantes em pessoas que sofrem de trauma complexo, questões de vinculação
desorganizada ou fortes distúrbios de identidade, podem ser melhor
compreendidas e trabalhadas num processo terapêutico, quando o psicoterapeuta
consegue monitorizar os seus efeitos quer ao nível da experiência do cliente, quer ao nível da própria relação terapêutica.
O desenvolvimento das neurociências permite conhecer melhor o funcionamento das várias partes do cérebro, nomeadamente saber o que se passa quando as redes do sistema nervoso autonomo estão envolvidas nas reações ao trauma.
Segundo Frank Anderson, psiquiatra e psicoterapeuta IFS **, quando se verifica uma ativação do sistema nervoso simpático devido ao trauma, o sujeito experiência um estado de elevada energia física e emocional e pouca capacidade de se autorregular. Perante um gatilho externo, o despertar de partes internas que carregam dores do trauma, estimula o sistema simpático e as partes do cérebro que o permitem acalmar, são desde logo desligadas.
Inversamente, o funcionamento do
sistema parassimpático conduz a um estado de hipoestimulação ou de
atordoamento, caracterizado por baixo nível de energia (física e emocional) e de
acesso ao funcionamento cognitivo. Por
ativação deste sistema podem surgir sensações de freezing - imobilização, branqueamento de memoria e raciocínio ou estados depressivos.
Em Psicoterapia IFS - Internal Family Systems, a pessoa é ajudada a tomar consciência das suas facetas ou reações extremas, aprendendo a separar-se delas para melhor as observar e regular, a partir do seu mundo interno.
Ao longo da sua intervenção, o psicoterapeuta ajuda o cliente a criar um espaço de segurança, a auto-regular-se e a desenvolver a sua presença de Self; enquanto estimula a curiosidade do individuo em conhecer e interagir com as suas próprias facetas ou partes internas.
Enquanto o terapeuta encoraja o individuo a tolerar melhor a carga emocional que algumas das suas partes carregam e a reduzir o esforço defensivo de outras partes protetoras (ex: faceta auto-critica ou perfeccionista), as partes internas mais sobrecarregadas podem ser ouvidas, compreendidas nas suas historias e progressivamente libertadas de funções indesejadas, interna ou externamente.
À medida que as várias facetas do mundo interno do sujeito vão sendo reconhecidas e harmonizadas em relação com o próprio Self ( o individuo na sua essência), emergem qualidades inatas que favorecem a cura (calma, clareza, confiança, conexão, coragem, etc.) e a resiliência do sujeito, após a conclusão da psicoterapia.
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Fontes:
*Ruth Lanius, MD,PhD, How trauma Impacts the Major Brain Networks . Treating Trauma Master Series - National Institut for the Clinical Application of Behavioral Medicine
**Frank Anderson, M.D., Shifting out of extreme trauma states. www.psychotherapy networker.org / blog